O QUE É e PORQUE ACONTECE?
A Piómetra consiste, tal como o nome derivado do latim indicia, numa infecção uterina (“pyo” = pús e “metra” = útero). Esta é uma infecção bacteriana grave do útero que afecta cadelas e gatas não esterilizadas e que pode ser potencialmente fatal.
Quando a fêmea entra em cio as principais hormonas que afectam o útero são os estrogénios e a progesterona. Numa fase inicial do cio os níveis de estrogénio são elevados e, à medida que o cio progride, os estrogénios diminuem e os níveis de progesterona aumentam. Estas variações hormonais, sobretudo da progesterona, vão provocar alterações na parede uterina para criar condições favoráveis à fertilização e desenvolvimento dos embriões. Em muitos casos, estas alterações cíclicas pode levar ao seu espessamento crónico e ao aparecimento de quistos – Hiperplasia Endometrial Quística – que criam o ambiente ideal para o crescimento bacteriano.
A piómetra ocorre quando as bactérias (sendo a E.coli a mais comum) conseguem colonizar o útero por via ascendente desde a vagina, por contaminação do trato urinário e/ou por contaminação fecal. Nestes casos, o organismo da fêmea tenta neutralizar a infecção e envia glóbulos brancos para o útero que, em conjunto com as bactérias e células de descamação da parede uterina, levam à acumulação de líquido purulento. A piómetra pode também comprometer a função renal desencadeando uma doença renal aguda que pode também ser fatal.
A piómetra é descrita como sendo “aberta” ou “fechada”. Na piómetra “aberta”, o cérvix (a porção do útero que contacta com a vagina) está aberto. A secreção purulenta que se forma no útero como resultado da infecção pode drenar pelo tracto vaginal para o exterior. Na piómetra “fechada”, o cérvix está fechado e ocorre um acúmulo de secreção purulenta no útero que, na impossibilidade de ser drenado para o exterior, leva à distensão das paredes uterinas e eventualmente rutura deste órgão. Se isto ocorrer, a infecção dissemina-se para o abdómen (peritonite) e, possivelmente, para a circulação sanguínea causando septicemia (infecção generalizada), choque e em muitos casos a morte do animal.
QUAIS OS ANIMAIS MAIS PREDISPOSTOS?
Esta doença é mais comum em cadelas e gatas não esterilizadas com mais de 5-6 anos de idade e que nunca tiveram ninhadas. No entanto, pode ocorrer em qualquer fêmea não esterilizada. Geralmente ocorre 1-2 meses após o cio, pois durante o cio o cérvix relaxa transitoriamente facilitando a colonização bacteriana ascendente do útero.
As gatas têm menor predisposição para desenvolvimento de piómetra porque durante o cio, a ovulação e a consequente produção de progesterona, só é desencadeada se ocorrer cópula com o macho. Na cadela em todos os cios ocorre ovulação (existindo ou não cópula) permitindo a acção cíclica da progesterona sobre o útero ao longo da vida.
Os tratamentos hormonais para prevenção de cio ou interrupção de gestação aumentam a probabilidade de desenvolvimento de piómetra e por isso devem ser utilizados apenas situações específicas e não por rotina.
QUAIS OS SINAIS CLINICOS DE ALERTA?
A piómetra pode ser uma infecção tão grave e fatal que a fêmea pode apresentar sinais de envolvimento sistémico e não só alterações associadas ao tracto reprodutor. Deste modo, esta doença deve ser sempre descartada em fêmeas doentes, com sinais inespecíficos e não esterilizadas.
Os sinais clínicos mais comuns são:
- Prostração
- Perda de apetite (anorexia)
- Aumento da ingestão de água (polidipsia)
- Aumento da quantidade de urina e frequência de micções (poliúria)
- Palidez das mucosas
- Distensão abdominal (mais frequente em piómetras fechadas por aumento do útero),
- Corrimento vaginal purulento e fétido.
Alguns animais também podem apresentar febre, vómitos, diarreias e perda de peso associada. Em piómetras fechadas a fêmea não apresenta corrimento vaginal visível.
Nas gatas o diagnóstico pode ser mais difícil porque apresentam sinais mais inespecíficos (prostração, perda de apetite, febre) mesmo numa fase avançada da infecção uterina. A polidipsia e a poliúria raramente são observadas em gatas. Por outro lado, os hábitos de higiene nesta espécie também dificultam a observação de corrimento vaginal purulento inclusivé em piómetras abertas.
DIAGNÓSTICO
Na consulta, o Médico Veterinário, com base na história clínica, sinais e no exame físico poderá suspeitar que o animal padece de piómetra. No entanto, o diagnóstico implica a realização de alguns exames médicos complementares tais como:·
Análises sanguíneas incluindo hemograma e urianálise (avaliação da urina) – para avaliar a função renal, a presença de septicémia e para excluir outras causas de polidipsia, poliúria e vómito. ·
Ecografia abdominal e radiografia abdominal – avaliação do útero (tamanho, conteúdo paredes uterinas), ovários e exclusão de uma possível gestação. As radiografias são sugestivas mas a ecografia é mais sensível para detectar conteúdo no interior no útero.
Citologia vaginal – permite caracterizar o tipo de secreção vaginal;·
Cultura e antibiograma da secreção vaginal – para identificação da bactéria envolvida e selecção do antibiótico mais adequado.
QUAIS AS OPÇÕES DE TRATAMENTO e o PROGNÓSTICO?
A piómetra é uma emergência médica e requer tratamento imediato para evitar uma infecção generalizada e morte do animal. O tratamento de eleição para esta doença é a ovariohisterectomia (remoção do útero e ovários). Excepto se houver uma ruptura uterina, é importante a estabilização prévia do animal com fluidoterapia (soro intravenoso) adequada e antibióticos. A cirurgia permite remover o foco de infecção e no futuro evita recidivas de piómetra, tumores uterinos e ováricos e previne gestações indesejadas. A ovariohisterectomia numa fêmea com piómetra acarreta mais riscos e é tecnicamente mais laboriosa que a realização da mesma numa fêmea saudável pelo que os custos associados são mais elevados.
A piómetra quando é detectada numa fase inicial e resolvida cirurgicamente apresenta bom prognóstico com uma taxa de sobrevivência superior a 80% e com uma recuperação relativamente rápida. No entanto, se a cadela/gata apresentar ruptura uterina, sinais de septicemia e/ou afecção de outros órgãos (ex: rim) o prognóstico é muito reservado, e em caso de recuperação podem ficar com alterações crónicas da função renal. Embora a cirurgia seja o tratamento de eleição na piómetra, o tratamento médico deve ser considerado em situações muito específicas, como em fêmeas com interesse reprodutivo. Neste caso, é importante que a fêmea apresente uma piómetra aberta, esteja clinicamente estável e numa fase inicial da doença. O tratamento médico inclui fluidoterapia, antibióticos de largo espectro e terapia hormonal associada. A terapia hormonal apresenta efeitos secundários sistémicos, a resposta ao tratamento é demorada, pode não ser efectiva e o risco de futuras recidivas é muito elevado. Nestes casos, assim que a fêmea deixe de ser reprodutora deve ser esterilizada.
Sem qualquer tratamento a piómetra causa inevitavelmente morte. A prevenção desta doença é uma das principais razões pela qual a esterilização das fêmeas é aconselhada.
Patricia Soares
Médica Veterinária
Hospital Referência Veterinária Montenegro

Licenciada com Mestrado Integrado em Medicina Veterinária pelo ICBAS-UP em 2013. Realizou estágio extracurricular na clínica veterinária Ars Veterinaria em Barcelona (Espanha) e estágio curricular no H.V. Montenegro. Iniciou a sua atividade profissional no Hospital Veterinário Montenegro em 2013.
Fez formação na área de imagiologia, citologia/microbiologia veterinária, cardiologia e reprodução. Tem como principais áreas de interesse a reprodução, a neonatologia e a cardiologia.